Falar sobre uso ou não uso de Inteligência Artificial parece anacrônico agora.
As ferramentas se popularizaram com a velocidade de fogo morro acima, e a quantidade de opções de utilização se alastrou como água morro abaixo.
Os riscos inerentes à adoção em massa dessa tecnologia têm sido cantados em prosa e verso por uma miríade de tipos de gente, que vão do Harari ao Noam Chomsky, além de uma gama de defensores, como Miguel Nicolelis. Tem para todos os gostos.
Mas a humanidade nunca foi pródiga em não usar uma tecnologia que de repente fica a seu dispor, mesmo que seja uma bomba atômica. Se pode, a gente usa.
Como a rapidez de adoção das IAs é inédita, as conclusões a que deveríamos chegar também deveriam ser, mas não é exatamente assim que a banda toca.
Enquanto as regulações caminham a passos de tartaruga, a inovação voa em modo supersônico. Já temos a experiência das redes sociais eletrônicas, que vêm até hoje gerando uma série de problemas, e que somente agora, momento em que, de fato, estão em uma curva descendente, os governos de alguns mercados ensaiam uma tímida regulação.
O alcance que as IAs podem ter nas nossas vidas são muito, mas muito maiores do que as Redes tiveram. Em ambos os casos, existe uma promessa (um tanto quanto enviesada, mas tem) de democratização de acesso. De horizontalização de relações. Mas por trás das duas, estão os mesmos atores: as onipresentes, oniscientes e trilionárias Big Techs.
Essas empresas (que a cada ano estão em menor e menor número) detém um poder jamais concebido na história da humanidade. Seus valores de mercado são maiores do que os PIBs de vários países. Seu poder de influência (incluindo o econômico) é inimaginável. Elas já foram nossa grande esperança contra a hegemonia de determinadas economias e empresas do passado. Hoje, ao mesmo tempo em que se tornaram quase indispensáveis em nossas vidas, mostram que são verdadeiras monstros de comer dinheiro. Tem tudo, e querem mais.Como dizia Harvey Dent no filme do Batman: “Ou você morre como um herói, ou vive o bastante para se tornar um vilão”.
Eu digo isso para que saibamos que temos um movimento crucial a ser tomado, se quisermos manter o tecido social, as relações pessoais e de trabalho e a nossa própria segurança em patamares mais estáveis, e que dependerá de uma força de vontade que tenho muita dificuldade em crer que exista: regular o mercado de Inteligência Artificial e Tecnologia.
Falar é fácil. Mas por onde começar?
O terreno é vasto, as fronteiras são tênues, ninguém sabe o verdadeiro alcance. Por isso é preciso setorizar, e começar pelo óbvio. É preciso reconhecer que esta será uma legislação em constante mudança.
Minha tentativa de contribuição aqui é da ótica de quem trabalha com comunicação, e que tem na criatividade parte da oferta de valor para meus clientes. Já dá pra pensar em alguns pontos para começar:
- Propriedade Intelectual: ok, não é possível proibir o uso de Inteligências Generativas para produção de material visual. À medida que as plataformas avançam, fica claro que elas serão os bancos de imagens de um futuro bem próximo. Existem riscos claros para ilustradores, fotógrafos, modelos, iluminadores e todo o cabedal de carreiras que permeia esse mercado. Por outro lado, há inegável economia para as pequenas agências. Se não se pode impedir, pode-se pelo menos triar. O registro intelectual de material produzido por IAs deveria ser proibido. Quer usar, usa. Mas não pode registrar a foto, nem a paleta de cores, nem os personagens gerados pela plataforma. O motivo é claro: se ninguém criou, ninguém pode ter direitos sobre. Materiais gerados por inteligências artificiais deveriam nascer royalty free.
- Certificado de Origem: Para textos isso pode ser mais difícil. Mas para imagens (e sons), a programação deveria ser obrigada a gerar Metadados que atestem sua origem. Através de uma foto, é possível extrair dados de sua localização, data, horário etc. Em imagens geradas por IAs, esses dados devem incluir sua origem. E deve incluir a data e o usuário que produziu a imagem. Isso coibiria a prática da criação de imagens e vídeos que podem servir à indústria das fake news. Este é um problema cujo tamanho não foi completamente quantificado pelo mercado.
- Informação completa: Pelos mesmos motivos apontados acima, qualquer interação de um humano com uma inteligência artificial, seja por texto, seja por voz, deve ser, obrigatoriamente, avisada. Imagine-se conversando com alguém muito mais inteligente que você, e que acessa um banco de dados com todas as suas características e usando isso para te convencer do que quer que seja. As pessoas têm o direito de saber que estão falando com uma máquina.
- Lei de Antitruste: essa lei só precisa ser adaptada. A base já está até pronta. Uma empresa que tem bilhões de usuários, gera e analisa dados sobre ela e ainda usa algoritmos de persuasão nessa base não poderia ser detentora de uma inteligência artificial que possa agir em proveito próprio. As Big Techs deveriam ter que vender uma ou mais operações, sob o risco de se tornarem indestrutíveis, e começarem a comandar os próprios governos do mundo. Isso não é ficção científica nem Robôs Maldosos tomando o poder, crianças. É economia de mercado, pura e simples.
- Tributação com finalidade: parte dos bilhões e bilhões de dólares que essa tecnologia vai gerar deve ser tributada, e usada em fundos para desenvolvimento de soluções educacionais que preparem a humanidade para o que está por vir. Principalmente aqueles que hoje nem conseguiram entrar no mercado de trabalho atual, que dirá nesse novo. São pessoas que nem substituídas serão, porque nem mesmo parte chegaram a fazer. Tecnologias podem apontar caminhos e soluções, desde que não criem problemas maiores do que aqueles que já temos.
Esta discussão não termina por aqui. Ela precisa da interação e dos inputs daqueles que serão usuários e públicos-alvos das ferramentas. Toda tecnologia parece mágica quando inicia. Mas é só depois de muito uso que descobrimos se é ou não magia negra.
0 Comments