Planos de Saúde e o branding do ódio

January 21, 2025

Qualquer gestor de marcas tem como nirvana da realização profissional a criação de uma marca como Harley Davidson. Algo que é alvo de tanto amor por parte de seus entusiastas que os levam, muitas vezes, a tatuar nos próprios corpos o logotipo.

Ou como nos grandes tempos da Apple. Quando o simples ato de ser usuário da marca caracterizava alguém como um tipo específico de pessoa.

Sim, muito se fala do amor por marcas. Mas pouca coisa se vê por aí sobre o ódio a elas. E ódio pode ser uma emoção muito mais motivadora do que o amor. Uma pessoa pode amar por décadas uma marca sem nunca deixar um comentário fofinho no Google Business dela. Já o ódio…

Esta semana, um homem americano de 26 anos assassinou a sangue frio um CEO de um de plano de saúde. Aparentemente movido pela negação de atendimento repetida da companhia, Luigi Mangione chegou a escrever nas balas termos ligados às negativas que recebeu da empresa. E tudo na frente de um hotel em plena Nova York.

O crime gerou uma onda de reações no país inteiro. Chocadas? Ultrajadas? Com medo? Não. Grande parte dos comentários nas redes sociais e em manifestações comemorou ou fez piada com a morte do executivo.

O setor de planos de saúde nos Estados Unidos é ainda mais complicado e excludente do que o nosso. Mas aqui, estamos caminhando a passos largos para um cenário parecido. E com um detalhe importante: todas são empresas que investem pesado em publicidade, marketing e branding (com ressalvas).

Não conheço uma pessoa no meu círculo de amizades que não tenha problemas sérios com seu plano de saúde. Nenhuma que não deixaria de usar o serviço se pudesse. Nenhuma que sente que seu dinheiro é bem investido no serviço que comprou. Nenhuma que respeite ou indique o serviço. Como isso não é um problema?

A verdade é que os planos sempre acham que conseguem trafegar em duas estradas ao mesmo tempo. Com um pé nas grandes campanhas, celebridades, produções milionárias, facilidades de atendimento para acolhimento de novos clientes, e o outro pé nas constantes restrições, falta de clareza, dificuldades imensas de atendimento e economia burra depois de conquistar a assinatura da pessoa.

Os planos de saúde dizimaram a capacidade de uma pessoa escolher seu próprio médico, de ter um relacionamento de longo prazo com um profissional, de ter alguém que acompanha seu desenvolvimento, investindo em um modelo que cada vez mais se parece com um SUS com porcelanato no chão.

O SUS aliás, é o grande responsável por não alcançarmos níveis americanos na qualidade de (péssimo) atendimento, mas também é o bode expiatório para motivar novas adições. Não existe uma real competição entre planos. Existe, ao que parece, uma colaboração para evitar que algum deles realmente inove ou atenda melhor. É sempre um logotipo mais bonito, e um atendimento cada vez pior.

Atendimentos confusos. Autorizações desmedidas. Burocracia anacrônica. Letargia. Processos atordoantes. Desumanização do atendimento, no momento em que as pessoas estão mais frágeis. Sempre embalados por grandes peças de publicidade dizendo exatamente o contrário.

Também não ajuda o fato dessas redes terem lobbies cada vez maiores junto aos governos, e não terem pudor nenhum em exibir opulências quase faraônicas em suas confraternizações, bônus e salários de executivos.

Enquanto isso, um ódio generalizado se acumula e perpassa qualquer diferenciação entre marcas. Claro, elas poderão me responder com algum tipo de pesquisa cujos números foram cuidadosamente espancados para dizer que seus clientes as amam mais que chocolate. Mas quem é brasileiro sabe que o desprezo por operadoras de planos de saúde consegue ser uma das poucas coisas que não obedecem nem à polarização política do País. São detestadas igualmente à direita e à esquerda.

E eu acho que nem mesmo os donos das marcas sentem esse amor. Se sentissem, estariam menos confortáveis. Fariam algo a respeito.

Em uma era tão focada na diferenciação de marcas, o branding (o real, não aquele que é mostrado) dos Planos de Saúde me parece a planta baixa de tudo que não se deve fazer em design de serviços. Mas tem setores que parecem ter entendido todas as mensagens ao contrário. Querem nomes aos bois? Comecem pelos grupos educacionais, empresas de telefonia e comunicação, e claro, as Big Techs.

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