Designers, ilustradores, escritores, músicos. Mentiram para nós o tempo todo.
Enquanto estávamos, humildemente, tentando ganhar nossa suada grana às custas dos nossos talentos (que, hey, parte de nós nem tem culpa, a gente nasceu com eles), o que o “mercado” nos dizia é que eles nem valiam nada. Que era coisa de gente sem tino comercial, sem foco no estrutural, sem pensamento lógico e matemático, que eram os traços que realmente formavam os bem sucedidos do mundo.
Mas aí, vejam só. Vem as AIs fazendo desenhinhos.
E não se fala de outra coisa.
O troço foi inventado para contar estrelas, decodificar cadeias de DNA, resolver o problema dos três corpos, mas o que o povo realmente quer é desenhar igual ao Hayao Miyazaki.
O Trump mete tarifa em meio mundo, mas o que move mesmo o pessoal é o modelo que te transforma em um personagem dos Simpsons.
20 planetas habitáveis são encontrados usando uma AI. Mas o que realmente tira o povo do sério é que você pode fazer um vídeo do Abraham Lincoln dançando funk.
No fim, o que todo mundo queria era desenhar igual a gente desenhava (ou substitua aqui pelo seu dom subvalorizado).
Se a gente soubesse disso, teria cobrado mais. Teria colocado mais valor naquilo que veio de graça, com um brinde que estava nos nossos neurônios. A gente sempre foi dono de algo que todo mundo queria, e que muito pouca gente consegue. Lei de mercado, a gente deveria ter ficado rico.
Mas como quem desdenha quer comprar, meteram a gente no fundo da agência. No grupinho dos estranhos das salas. Atrás da administração, da engenharia, do marketing, do tráfego, na fila dos salários.
Mas esse tempo todo, todo mundo queria. Ninguém tinha.
Agora todos acham que tem. Uma dica: continuam não tendo. Então leia tudo de novo, e perceba que a gente continua com essa pérola entalada em nossas gargantas. Eles podem apertar um botão e achar que desenham como o Myiazaki. A gente pode ser O PRÓXIMO Miyazaki. Já vi gente falando que isso é “a ditadura do talento”. Sei lá… eu meio que gosto desse nome. No meu talento, eu mando mesmo.
Não sou contra o uso das AIs. Eu mesmo estou usando, com frequência, para resolver problemas e desafios que agências pequenas sempre têm. Para entregar aquilo que o mercado vai cada vez mais achar que é a barra mínima. Por que eu infelizmente não desenvolvi uma resistência a pontas de faca nos meus punhos.
Mas ao mesmo tempo, eu resolvi voltar pra prancheta. E tentar trazer à tona parte daquilo que me formou como individuo. Resolvi voltar a valorizar as noites e noites que eu perdi desde a minha infância fazendo cópias da realidade e de outros artistas e aprendendo a desenhar. Tendo interesse em outros estilos, experimentando o assombro diante de obras que eu não entendia. Subindo no ombro de gigantes para tentar ver o mundo da perspectiva deles. Na minha época, não tinha um algoritmo que “treinava” olhando três mil pinturas de alguém. A gente tinha que consumir mesmo. Com nossos fígados, corações e órgãos sexuais.
Cada desenho meio merda que eu faço carrega 52 anos de observação do mundo. Isso ainda precisa ter valor (inclusive, quem quiser chamar pra algum jobzinho tamos aí).
Não, eu não tenho problemas com tecnologias e avanços.
O problema maior é que os caras resolveram chamar de ARTE. E aí, amigo, complicou.
Porque eu não sei exatamente o que é ARTE, e talvez seja uma dessas coisas cujas fronteiras são borradas, ninguém sabe ao certo. Mas o que eu sei é o que NÃO É ARTE. E essa é uma atividade necessariamente humana. Cavalos, macacos e computadores não fazem arte (não, nem aquele elefante que pinta com a tromba).
Arte é meio igual AMOR.
Em pouco tempo (menos do que a gente pensa), vão entregar por aí um robô, munido da mais avançada Inteligência que o homem puder comprar. E ele vai fazer tudo, dos movimentos aos fluidos, que uma pessoa faz.
E esse robô vai ser compreensivo, vai te escutar, vai fazer o download da sua vida inteira, e jamais vai esquecer um aniversário, jamais vai levantar a voz, jamais vai discordar de suas ideias, jamais vai perder o interesse em você, jamais vai ficar sem assunto, jamais vai te trocar por outro. E vai ter gente que vai se apaixonar por esses seres.
E será que vamos aceitar que esse amor é possível?
Não. Não é.
Algo que não odeia não pode amar. Que não sente tesão. Que não se frustra. Que não fica puto porque não entende. Igual arte.
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